A ANÁLISE E A APROXIMAÇÃO DE UM TEMPO GRANDE A ANÁLISE E A APROXIMAÇÃO DE UM TEMPO GRANDE

 

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Rodrigo Gomes Ferreira

O presente artigo foi produzido para a dissolução de um cartel cujo plano foi ler o livro 1 do seminário de Lacan. Fiz ligações pontuais com este livro como base para reflexões sobre algo que me intriga: a experiência do tempo produzida em análise.

O retorno ao estudo de Freud, como fez Lacan no início do seu seminário, é interessante em sua busca pelo que há de fundamental na Psicanálise. Mesmo enfatizando os escritos ditos "técnicos", seu retorno foi, de fato, aos fundamentos, como quando lança a pergunta "o que fazemos quando fazemos análise?" (LACAN, [1975] 1986, p. 19).

Nesta linha, outra colocação de Lacan ([1975] 1986, p. 11) me deixou curioso: quando diz que só a situação analítica permite isolar alguns fenômenos. Com esta, dei-me conta da artificialidade que é a análise. Não é uma situação ordinária, tanto pela maneira como se escuta, quanto pela fala que se produz com isso. Se a Psicanálise visa a singularidade, é também em si uma experiência bastante singular. E o que haveria de singular na experiência do tempo neste contexto?

Em análise, falamos, falamos por algum tempo, e sobre tempos para além daquele no qual falamos. Usamos os tempos oferecidos por uma língua, porém, estes tempos gramaticais não são suficientes para falarmos de situações que dizem respeito a um tempo singular, da vivência subjetiva. Como, por exemplo, conjugar um pretérito (que foi quase) imperfeito, um futuro (excitante) mais que perfeito (em andamento), um presente (que nunca passa)? Os sonhos também nos mostram a possibilidade de experiências temporais para além dos tempos gramaticais. Neles, vivemos mais do que seria possível pelos limites do tempo linear, ou mesmo das conjugações mais sofisticadas. Podemos dizer que assim é a nossa vida, uma experiência cheia de tempos, mesmo em tempos sem tempo.

O trabalho psicanalítico pode ser dito como uma construção de história, não revivendo o passado de forma afetiva, mas reescrevendo-o. Uma história não acontecida, mas verdadeira. Cria-se, assim, no futuro, em análise, um passado menos que perfeito, mas que fica melhor; talvez pelo futuro que abre, ou pelo presente que agora permite.

Melhor, mas não perfeito, conterá enigmas temporais, mesmo com o artesanato temporal criado em sessões. Estes furos evidenciam algo nunca representado perfeitamente pelos tempos verbais. E não por falta de trabalho, mas por parecer não bastar um saber sobre si no formato de uma boa história.

Para além da construção de uma maneira particular de vivência ao longo do tempo, de uma história, parece estar presente uma conjugação temporal diferente da flexão gramatical, mesmo que sempre falemos nos utilizando desta. Pois o que não se inscreve em nenhum tempo gramatical é a experiência de poder criar todos estes tempos. Poderíamos falar, além do passado, presente e futuro, de tempo vivo? Mais do que uma alocação em algum tempo verbal, a psicanálise escuta o dito sobre algo que está aqui, sem estar manifesto; sem nunca se acomodar no tempo verbal, mas impulsionando a criação destes e do próprio tempo para falar.

Ao final do livro 1 do seu Seminário, Lacan ([1975] 1986, p. 286) retoma uma analogia de Freud sobre o inconsciente e as ruínas da antiga Roma, as quais permitem que algo esteja presente, mesmo ausente. Estar presente, desta forma, aponta para uma dimensão temporal para além da gramática ou do cronológico. O presente, desta forma, aponta para a presença, a qual tampouco deve se confundir com o manifesto agora. Não falamos, em análise, de algo que não existiu como se não estivesse presente. Falamos do que ainda está presente, mas porque também existiu.

Ao final deste primeiro livro do seu Seminário aparece o dito de Lacan ([1975] 1986, p. 325) de que "a transferência é o conceito mesmo da análise, porque é o tempo da análise". E o que podemos pensar sobre a experiência do tempo em análise neste sentido? Talvez que, esgotada a análise com todos os tempos, resta a história das marcas presentes nesta presença que se torna possível na transferência.

Referências:

LACAN, Jacques. O Seminário: livro 1: os escritos técnicos de Freud. Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Tradução de Betty Milan. 3a. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1986.

Notas:

[1] Texto apresentado na jornada de carteis da EBP/SC em agosto de 2019, com algumas modificações.

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