Editorial

Este ano de 2020 nos chegou trazendo pandemia e pandemônio. À crise sanitária se somaram desastres nas esferas econômica, política e social, evidenciando a avassaladora fragilização dos referenciais simbólicos que serviam de orientação e de alicerce para um certo ordenamento da vida coletiva. As esperanças – ou até mesmo as convicções – de que nossa incipiente democracia avançava rumo a uma sociedade menos desigual e mais acolhedora em relação à diversidade foram profundamente feridas  pelas evidências de que largas parcelas da população se identificam com os que pregam publicamente exatamente o contrário. Nas telas, integradas ao cotidiano de maneira antes nunca experimentada, sucedem-se mais e mais episódios de um reality show de horrores onde somos simultaneamente protagonistas e espectadores.

Lançamos o número 12 da Arteira no início desses acontecimentos, alinhando-nos à orientação da Escola de Lacan quanto a apostar no trabalho animado pela causa analítica, na veia subversiva que marca sua trajetória e sustenta seu lugar nos movimentos da cultura há mais de um século.

Escolhemos como imagem de capa uma gravura de Goya da série Los caprichos, com a qual o artista espanhol expressou sua crítica ao fanatismo religioso, às superstições, à Inquisição, às injustiças das leis e ao sistema educacional da sociedade espanhola do final do século XVIII. A nosso ver, casa muito bem com o que vivemos este ano e, por outro lado, com os tema principal desta edição da Arteira: o sonho, o dormir e o despertar.

Esse tema aponta para o XII Congresso da AMP - O sonho. Sua interpretação e seu uso no tratamento lacaniano.  O congresso não aconteceu. Foi uma grande perda para todos nós, não apenas pela sua dimensão epistêmica, mas pelo caráter de celebração dos muitos bons encontros que esse evento nos proporciona a cada dois anos, com colegas vindos de diversas partes do nosso mundo da psicanálise de orientação lacaniana.  Mas ganhamos – e muito! - com o trabalho preparatório, que colocou o foco sobre essa temática central na psicanálise desde Freud, e produziu um aggiornamento fundamental ao colocar em pauta a atualidade de seu uso no tratamento lacaniano.

Ao contrário do previsto inicialmente, este número da Arteira não contempla a temática de outros dois eventos importantes da nossa agenda 2020, o XXIII Encontro Brasileiro do Campo Freudiano – O feminino infamiliar. Dizer o indizível – e a I Jornada da Seção Sul – O feminino e os litorais do indizível. Isso porque as circunstâncias - desta vez felizes – fizeram com que a I Jornada da Seção Sul, marcada pela extensão e qualidade do trabalho preparatório que inspirou, merecesse um número especialmente dedicado a ela. Será o número 13 da Arteira, inaugurando uma nova etapa em sua trajetória: seus limites se expandem para abraçar, além de Santa Catarina, também o Paraná – onde estão vários membros da Seção Sul - e o Rio Grande do Sul – onde os cartéis marcam a presença da Escola.

Inauguramos este número 12 com um texto de Gustavo Dessal, registro da conferência Notícias da outra cena: Freud e a criatura da noite,  prévia à XIV Jornada da EBP - Seção Santa Catarina - Tempo de sonhar, instantes de despertar.  Dirigida a um público amplo, interessado mas não necessariamente familiarizado com a teoria e a prática psicanalíticas, foi uma bela preparação à Jornada. Gustavo Dessal, ao seu estilo, transmitiu com precisão e simplicidade aquilo que a psicanálise tem a dizer sobre o que ele apresenta como “o mundo dos sonhos”. Outros dois textos trazem os seminários que ele nos ofereceu por ocasião daquela XIV Jornada, intitulados O inconsciente entre o sonho e a verdade e Lacan insone. São textos preciosos, cujo valor epistêmico traz também a marca do estilo de Dessal, inconfundível em seu percurso tanto como autor na psicanálise quanto na literatura.

Os textos de Luís Francisco Espíndola Camargo – A atualidade dos sonhos em psicanálise -, de Diego Cervelin – Restos inglórios; em torno de algumas emergências do real nos sonhos – e de Gustavo Ramos – Interpretação e transferência: o problema da ficção – são elaborações alimentadas pela repercussões de seus trabalhos apresentados na XIV Jornada.

Cartel: que laço é esse? É o título escolhido por Nohemí Brown para sua contribuição à Formação do psicanalista da Escola, com um texto apresentado no âmbito da atividade O ensino na Escola.

Na rubrica Fazendo artes, Márcia Stival Onyxszkiewicz publica seu comentário ao filme A hora da estrela, apresentado na atividade Psicanálise vai ao cinema, que se manteve no formato online em 2020.

Finalmente, ao me despedir da função de Editora da revista, de acordo com o princípio da permutação a cada três números, quero deixar registrada aqui minha gratidão a todos que “fizeram acontecer” a publicação online, projeto no qual apostamos a partir do número 10, visando o incremento da circulação dos textos. Até o final de outubro de 2020, a revista havia tido mais de 18 mil acessos, sem qualquer investimento extra, o que mostra que avançamos nessa direção. Esse resultado se deve à confiança nessa aposta por parte da Diretoria da Seção e do Conselho Editorial e do trabalho de todos os envolvidos na publicação da revista.  

Boa leitura!

25 de novembro  de 2020
Louise Lhullier
Editora

ESCOLA BRASILEIRA DE PSICANALISE - ESCOLA DO CAMPO FREUDIANO
SEÇÃO SANTA CATARINA

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